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As definições do pensamento e linguagem

As relações que ocorrem entre pensamento e linguagem é o assunto que iremos ver nesse artigo. Para termos pequenas noções acerca desses assuntos, irão fazer uma pequena viagem, através das reflexões de três teóricos: Vygotsky, Whorf e Luria.

Antes, porém, vejamos o relato que Romanelli, um apaixonado sobre o tema.

Alguns anos atrás, um casal de professores americanos teve a ideia de comparar na prática a educação de um bebê humano e de um animalzinho. E para que a comparação fosse fiel, no dia que a filha deles nasceu, eles foram ao zoológico e adotaram um filhote de chimpanzé fêmea. As duas foram educadas absolutamente iguais, passo a passo, e como se tratava de um trabalho científico, bem-documentado, eles foram percebendo que, logo de início, a chimpanzé batia em quilômetros o bebê humano.

Enquanto o bebê humano não fazia senão mexer os pezinhos, a chimpanzé já se “virava” sozinha, sentava à mesa, colocava o guardanapo em volta do pescoço. Mas à medida que o tempo foi passando, enquanto o bebê humano começou a falar a chimpanzé emitia apenas alguns sons emocionais característicos.

Quando o bebê começou a pedir água, por exemplo, a diferença se tornou marcante entre ele e a chimpanzé.

A evolução nos diz que um dia o homem começou a falar e essa é a grande diferença entre o humano e os animais. O desenvolvimento de áreas nervosas e tecidos nervosos do cérebro capazes de preparar o que nós chamamos de ideia, e a transferência dessas idéias para a forma da palavra oral, é o momento crucial […] (1985, p. 101).

A visão de Vygotsky sobre pensamento e linguagem

Iniciemos, depois dessa incursão feita por Romanelli, nossos estudos sobre pensamento e linguagem, a partir das considerações feitas por Vygotsky (1962).

Interessado em estudar a linguagem enquanto constituídora do sujeito, Vygotsky enfocou seus estudos na relação que ocorre entre pensamento e linguagem, atribuindo-lhe a devida importância no processo evolutivo humano.

Diferentemente do pensamento vigente na época, dominado pela visão de Piaget que afirmava que as estruturas da linguagem não eram dadas pelo meio, encontrando-se preestabelecidas desde o nascimento, Vygotsky entendia que a relação entre pensamento e linguagem originava-se no desenvolvimento e evoluía, ao longo dele, num processo dinâmico.

Segundo ele, pensamento e linguagem possuem, tanto na filogênese quanto na ontogênese, raízes genéticas distintas, mas que se sintetizam dialeticamente no desenvolvimento.

O processo de evolução da linguagem

Inicialmente, o pensamento se desenvolve sem a linguagem, ou seja, os primeiros balbucios das crianças são formados sem o pensamento e objetivam atrair a atenção dos adultos, caracterizando a função social da fala, desde o início.

Considera que há um estágio pré-linguístico no desenvolvimento e um estágio pré-intelectual no desenvolvimento da fala, e que por um determinado período, esses processos se desenvolvem de forma independente.

Vygotsky afirma que, por volta dos dois anos de idade ocorre o encontro entre o pensamento e a fala, surgindo um novo tipo de organização linguístico-cognitivo. A partir desse encontro, o pensamento se torna verbal e a linguagem racional. A criança passa, então, a entender o propósito da fala e ao sentir a necessidade das palavras, busca apreender os signos, descobrindo a função simbólica da palavra.

Para ele, a relação entre pensamento e linguagem deve ser visto como um processo vivo, pois o pensamento surge a partir das palavras. Além disso, essa relação não é algo já formado e constante, mas nasce ao longo do desenvolvimento e se modifica.

Segundo Vygotsky, as relações que ocorrem entre pensamento e linguagem não podem ser apreendidas sem a compreensão da natureza psicológica da fala interior, de estrutura e processo divergente da fala exterior.

A fala interior vista dessa forma, não é exatamente uma fala, mas uma atividade intelectual e afetivo-volativa, que possui formação específica, leis próprias e que mantêm conexões com outros tipos de atividades de fala. Caracteriza-se por ser uma fala para si mesmo. Uma fala que se interioriza em pensamento.

Diferentemente, a fala exterior caracteriza-se por ser para os outros, sendo a tradução do pensamento. Ou seja, é a sua materialização e objetivação.

Para Vygotsky, a fala egocêntrica possui um papel fundamental na atividade da criança, sendo um estágio transitório na evolução da fala oral para a interior. Essa evolução, para ele, se processa de uma fala exterior para uma fala egocêntrica e desta a uma interior, ou seja, do social para o individual.

Vygotsky apontou três propriedades da fala interior:

  1. O predomínio do sentido de uma palavra sobre seu significado, a partir do contexto em que surge. O sentido da palavra é alterado pelas situações em que se insere e pela mente da pessoa que a utiliza;
  2. A aglutinação: combinação de palavras para expressar idéias complexas;
  3. O modo pelos quais os sentidos se combinam e unificam, sendo que uma única palavra pode ter vários sentidos.

Exemplo: Em um ponto de ônibus, duas moças conversam e ouve-se, de uma delas, o seguinte enunciado: “Fui com meu gato no cinema ontem”. Onde gato tem o sentido de namorado, pois é evidente que animais não são aceitos em cinemas.

Observe agora, outro enunciado, produzido por uma criança, em uma clínica veterinária: “Doutor, pode dar uma olhada no meu gato? Ele está doente”. Aqui, o significado que se pode atribuir a gato é o de animal, pois obviamente, veterinários não atendem pessoas.

A diferença de significação do léxico gato é dada pelo contexto, no qual ele ocorre.

O impacto da linguagem do desenvolvimento mental

Segundo Vygotsky, a linguagem é um fator fundamental para o desenvolvimento mental da criança, pois exerce uma função organizadora e planejadora de seu pensamento, além de ter uma função social e comunicativa.

É através da linguagem que a criança interage com o conhecido já produzido e com o mundo que a rodeia, apropriando-se da experiência acumulada pela humanidade, no decorrer de sua evolução.

Além disso, é através dessa interação social, promovida pela linguagem que a criança, de acordo com Vygotsky, constrói sua própria individualidade.

Outra hipótese sobre as relações entre pensamento e linguagem foi desenvolvida por Whorf (1956) e ficou conhecida como hipótese whorfiana ou hipótese Sapir- Whorf.

A hipótese whorfiana (Whorf, 1956), também, denominada de hipótese da relatividade e determinismo lingüísticos, afirma que as línguas diferentes influenciam o pensamento de maneiras diferentes. Entretanto, essa idéia existe desde o início da Filosofia.

Desta forma, voltamos um pouco no tempo, e trazemos uma afirmação anterior sobre esse assunto, feita por Sapir.

Os seres humanos não vivem isolados no mundo objetivo, nem no mundo da atividade social, como ordinariamente se entende, mas, estão à mercê da língua, que se tornou o meio de expressão de sua sociedade. É grande ilusão imaginar que alguém se adapta à realidade essencialmente sem o uso da língua, e que esta é apenas um meio incidental de solucionar problemas específicos de comunicação ou de reflexão.

O fato é que o mundo real é, em larga extensão, inconscientemente construído sobre os hábitos linguísticos do grupo. […] Nós vemos e ouvimos, e temos outras experiências tão largamente porque os hábitos linguísticos da nossa comunidade nos predispõem as certas escolhas de interpretação (apud Mandelbaum, 1958, p. 162)

Assegurando que toda experiência é influenciada pela língua que se fala, Sapir levanta algumas observações interessantes. A afirmação de Sapir avança, com Whorf (1956), na direção do Determinismo Linguístico, cujo postulado é o de que a língua pode determinar a cognição, e da Relatividade Linguística, que afirma ser o determinismo relativo à língua que se fala.

Entendendo o sistema linguístico

Segundo Whorf todos se organizam e interagem com o mundo de uma forma particular, devido ao sistema linguístico que temos internalizado em nossas mentes.

A partir dessa afirmação, algumas considerações podem ser feitas:

  1. Um sistema linguístico particular, provavelmente, afeta o meio, pelos quais vários estímulos são percebidos e os problemas resolvidos;
  2. O nível de aquisição de um sistema linguístico interfere na maneira pela qual são fornecidos os estímulos e resolvidos os problemas;
  3. A ausência ou desvio de um sistema lingüístico afeta seriamente a realização de tarefas cognitivas.

Luria por sua vez, propõe que “a percepção é uma atividade cognitiva bastante complexa e mediada […], (Carvalho, 2000, p.2), afirmando existir uma relação muito estreita entre os fenômenos linguísticos e perceptuais, salientando ser a linguagem mediadora da percepção”.

A influência dos aspectos culturais

Nesta forma, ele concebe que a proposta da mediação da percepção pela linguagem a qual reflete, por sua vez, aspectos culturais. Configura uma posição já considerada clássica e, nesse sentido faz referência, dentre outros a estudos decorrentes da chamada hipótese Sapir-Whorf, para a qual ocorre uma determinação linguística sobre a percepção […]. Com relação ao desenvolvimento, Luria (1979) refere-se ao grande papel desempenhado na percepção da criança pela linguagem e constitui um dos fatos mais importantes da Psicologia atual (p. 77). (Carvalho, 2000, p. 04)

Para Luria (1976), a natureza sócio-cultural da ação, e, portanto, da percepção, implicaria na participação da linguagem, na constituição tanto de uma como de outra. (idem, p. 5).

Sobre pensamento e linguagem, Luria (1987) afirma que a linguagem é um sistema complexo de códigos, formado no decorrer da história social de uma comunidade linguística, que designa objetos, características, ações ou relações, possuindo a função de transmitir informações.

Resultante dessa história, a linguagem transforma-se em um instrumento importante ao conhecimento humano, pois é a partir da linguagem que o homem pode “separar o limite da experiência sensorial, individualizar as categorias dos fenômenos, formularem determinadas generalizações ou categorias. Pode-se dizer que, sem o trabalho e a linguagem, no homem não se teria formado o pensamento abstrato ‘categorial”.(Luria, 1987, p. 22)

Desta forma, a linguagem para ele é o meio mais importante no desenvolvimento e formação dos processos cognitivos e da consciência humana.

Segundo ele, a palavra não somente pode substituir o objeto e designar a ação, a qualidade ou a relação, mas também tem o poder de analisar os objetos, de generalizá-los.

Complementando sua posição, Luria (1987, p.201) afirma que “as origens do pensamento abstrato e do comportamento categorial. Em que provocam um salto do sensorial ao racional, devem ser buscadas nem dentro da consciência nem dentro do cérebro, mas sim fora, nas formas sociais da experiência histórica do homem”.

Como esse processo era visto na década de 70?

A seguir, apresento de forma resumida as observações voltadas às relações entre pensamento e linguagem, realizadas até a década de 70, através do esquema, extraído de Menyuk (1975, p. 14).

Os processos A, B, C e D demonstradas no esquema podem ser assim explicados:

  • A: Os processo sensórios-motores, do sistema nervoso humano, levam ao desenvolvimento do funcionamento do sistema simbólico primitivo. Por outro lado, isto leva ao pensamento conceptual e ao uso da linguagem, os quais são mais ou menos independentes um dos outros. Porém, ao ser adquirido, a linguagem contribui para o desenvolvimento das “funções mentais superiores” (Luria, 1962).
  • B: Os processos sensório-motores geram o desenvolvimento do funcionamento simbólico perceptivo e à linguagem. Permanecem separados os estágios iniciais, mas o uso contínuo da linguagem influencia o desenvolvimento posterior.
  • C: Os processos sensório-motores propiciam o desenvolvimento do funcionamento simbólico perceptivo que, por sua vez, leva ao uso da linguagem. Os processos são independentes, porém ocorrem tarefas cognitivas específicas, nas quais a linguagem é utilizada.
  • D: Os processos sensoriais levam ao desenvolvimento do funcionamento simbólico perceptivo, que gera o uso da linguagem. O uso contínuo da linguagem possui efeitos no pensamento conceitual e no desenvolvimento das funções mentais superiores.

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